Omissão intencional de uma ideia subentendida. Pode ser traída pela zeugma.


sábado, 20 de julho de 2013

“Não se aponta, que é feio”




À medida que o tempo passa e que me afasto da coreografia do trabalho, concentro-me nos gestos desses dias, gestos fúteis, caprichosos, eloquentes, eficazes, incompreendidos, menos elegantes ou de certa coquetterie. Encenarei novos códigos assim que tomar consciência que eles sempre fizeram sentido.
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Acordo o grupo com um gesto silencioso. Abro a mão e faço assim. Assim. Com estranheza os que estão despertos reagem – olhos como que se interrogando sobre a real intenção “Com o silêncio não os acordas, diz-lhes algo ao microfone” – mas não digo. Só pisco o olho através dos óculos escuros. Eles não vêem e não percebem a minha secreta diversão. Os convivas seguem doravante num novo tipo de silêncio, pesado e que já não embala. É esse silêncio-melindre que despertará os adormecidos.
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Faço deslocar o grupo com um gesto silencioso e manso. Abro a mão e giro o pulso. Assim. Na trupe eles seguem com os olhos postos na mão que acena – não vêem mais nada, nem degraus, nem bandeiras, nem estátuas ou semáforos. Serão os olhos postos na mão que os fazem deslizar no ar. Não me certifico que me seguem, não olho para trás. Sei que se olhar para trás eles pararão, a corrente quebrar-se-á. É no caminho e no ritmo contínuo que se estabelece a relação de confiança.
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Em mapas indico caminhos recorrendo à mão aberta. Mão aberta e dedos bem esticados. Assim. A mão adapta-se à geografia da cidade, os dedos longos são as artérias que escorrem para o rio. A curva da marginal corresponde à linha entre o dedo mínimo e o polegar. Compreendes? Assim. Ligo bairros com os dedos imóveis. Assim. Estabeleço itinerários. Assim.
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A mala a tiracolo não me impede os movimentos dos braços que se elevam, que fazem ângulos rectos, que agitam o ar em espirais, imitando ondas, mariposas. Por vezes esqueço que sou reservada - actuo com maior desenvoltura quando me lembro disso mesmo.  
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O condutor pede-me instruções. A minha mão segue então tesa e esticada como um leme. Em frente – assim – à direita – assim – à esquerda – assim. Coordeno discurso fluido com a rigidez da mão.
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O meu pé é da justa medida do quinto da Península a que me cabe falar. O mundo assim deitado é mais tangível. Traço aí as rotas marítimas no chão, deslizando o pé de porto em porto, de cabo em cabo. Quase que se ouve uma milonga. Assim uma milonga del angel. Eles têm os olhos postos nos pés e eu danço ao ritmo das palavras.
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A cada vez que pergunto discretamente uma indicação e me respondem com gestos, inquieto-me e suplico – não aponte, não aponte que não quero que eles saibam que eu não sei. Peço a confirmação da rota descrevendo o percurso a fazer, esticando ao máximo o pescoço, apontando com o queixo. Assim. Apercebo-me da dificuldade de expressão do interlocutor com as mãos atrás das costas. O corpo atado fica mudo. 
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Nos momentos em que posso ficar em silêncio sem que me censurem, há um ou outro indivíduo que  aproveita para dois dedos de conversa, criar uma intimidade inexistente. A uma pergunta de circunstância inclino o pescoço. Assim. Aceno suavemente com a cabeça. Assim. Sorriso cordial. Assim. Estico os dois indicadores assim e enrolo um fio imaginário enquanto lhe digo uma frase que apenas os surdos perceberão – “depois falamos".
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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Acerca-te de mim, viajante

A minha foto
P.S.: Os conteúdos da Elipse são da minha autoria (excepto quando referido), e devidamente protegidos por tormentas e bolhas de amor.