Omissão intencional de uma ideia subentendida. Pode ser traída pela zeugma.


quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

You are welcome to Elsinore

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos a morte __ violar-nos __ tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas __ portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor

E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmos só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar



Mário Cesariny, in, Pena Capital

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segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Páginas que não se folheiam

O instrumento de escrita sempre condicionou a capacidade de organizar ideias, de modo consciente ou intuitivo. Demasiado tempo à frente de um ecrã, a percorrer páginas que não se folheiam, e a fazer deslizar invariavelmente o cursor sobre uma barra lateral, influenciou um sonho que expressa a dificuldade de abraçar a informação e convertê-la em conhecimento. Outros terão sonhado que a argila se esboroava, outros que os palimpsestos se tinham furado de tanto raspar.


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sábado, 26 de janeiro de 2008

→ (…)



Você está aqui, mas não é nenhuma lebre.

Ela percorre o jardim da Gulbenkian onde a nova sinalética tem a direcção (…). Pelos vistos, alguém deu sentido ao lugar incógnito. Dará conta de (…) quando por lá passar? Será um espaço de liberdade, o início de um policial, o cenário de uma história infantil?
Segue pelas placas de cimento ordenadas geometricamente, animada pelo mistério e pela falsa tranquilidade que a natureza tem para anunciar que algo está para acontecer. Desconhece as lendas do norte da Europa, mas o piar dos pássaros no dédalo de buchos e o rumor dos riachos artificiais convidam-na a prosseguir. No entanto, as grandes janelas que se rasgam no edifício orgânico inibem-na, fazem-na pensar que está a ser observada, para lá da sombra, para lá do vidro. Continua na expectativa de se encontrar em (…), de identificar (…) e dizer “Ah! Só podia ser (…)”.

Finalmente, depois de dar a volta pelo caminho definido e procurando de novo a seta para (…) dá por si no local de partida.





terça-feira, 22 de janeiro de 2008

it may not always be so; and i say

that if your lips, which i have loved, should touch

another's, and your dear strong fingers clutch

his heart, as mine in time not far away;

if on another's face your sweet hair lay

in such a silence as i know, or such

great writhing words as, uttering overmuch

stand helplessly before the spirit at bay;



if this should be, i say if this should be -

you of my heart, send me a little word;

that i may go unto him, and take his hands,

saying, Accept all happiness from me.

Then shall i turn my face, and hear one bird

sing terribly afar in the lost lands.





in, xix poems, E. E. Cummings

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domingo, 20 de janeiro de 2008

Sun in my mouth

I will wade out till my thighs
Are steeped in burning flowers
I will take the sun in my mouth
And leap into the ripe air alive
With closed eyes
To dash against darkness
in the sleeping curves of my body
I shall enter fingers of smooth mastery
With chasteness of seagulls
Will I complete the mystery of my flesh




in, Impressions, E. E. Cummings

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sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Turismo infinito #

"Dói-me a imaginação não sei como, mas é ela que dói"



in, Passagem das Horas, Álvaro de Campos

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quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Intermezzo

Enquanto o homem do berbequim não vem e muito menos o dos violinos afinados, agito-me com os espirros múltiplos do vizinho e com as nocturnas escalas de saxofone de origem desconhecida. É um princípio de uma aventura sinfónica.

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terça-feira, 15 de janeiro de 2008

De 31 para 1. Um quarto de hora.

O anúncio era claro: a terra estava a girar e durante um quarto de hora podíamos ver a bordo do navio outras paragens, outro país. Todos se aproximaram do convés e eu estava entre a multidão. Apenas o corrimão branco me separava do mar negro ou do abismo. Tínhamos um quarto de hora para encher os olhos de novidades; a terra ia girar e depois nada mais. De repente, numa espécie de cais ou no convés de outro navio, entre outras pessoas, vi-te. Estavas lá, também tu numa sorte de celebração. Estavas bem, feliz e eu sabia que tinha quinze minutos pelo que me apressei a gritar o teu nome. “X=X=X=X!” Tu reagiste em direcção ao som mas havia uma luz branca do navio que incidia sobre o cais e que te cegava. Apenas te apercebias das silhuetas que cortavam o halo. Chamei-te novamente ao que respondeste na minha direcção, “levanta o braço!”, mas estava muito barulho e havia muita gente. Tu começaste a acreditar que eram apenas ecos e eu não conseguia acenar o suficiente para que me individuasses.
Sabia que já tinha menos de quinze minutos. Não era a embarcação que viajava mas sim a terra que escorregava e nada havia a fazer.

Acordei fazendo força com o ombro, contra o peso dos cobertores, e com um grito preso na garganta.

Eu vi-te, tu ouviste-me, mas não o soubeste.




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Acerca-te de mim, viajante

A minha foto
P.S.: Os conteúdos da Elipse são da minha autoria (excepto quando referido), e devidamente protegidos por tormentas e bolhas de amor.