Omissão intencional de uma ideia subentendida. Pode ser traída pela zeugma.


sexta-feira, 26 de junho de 2009

tsunami

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quinta-feira, 25 de junho de 2009

é preciso cultivar o nosso jardim

"(...) e Pangloss dizia por vezes a Cândido: «Todos os acontecimentos se encandeiam no melhor dos mundos possíveis: pois, enfim, se não tivésseis sido escorraçado de um belo Castelo a pontapés no traseiro por amor da menina Cunegundes, se não tivésseis sido supliciado pela Inquisição, se não tivésseis corrido a América a pé, se não tivésseis trespassado o Barão, se não tivésseis perdido todos os vossos carneiros do bom país do Eldorado, não comeríeis agora aqui limas em compota e pistáchios.» - Muito bem dito, respondeu Cândido, mas é preciso cultivar o nosso jardim."
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Cfr. Voltaire, Cândido ou O Optimismo, Lisboa, Tinta da China, 2006, pp. 170-171.
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Sabendo que a sátira ao optimismo faria parte do Index Librorum Prohibitorum, Voltaire publicou-a clandestinamente e de modo anónimo em 1759. A paródia, com grande divulgação, tem também como periclitante palco, a Lisboa do Terramoto, da qual os heróis escapam ilesos "ao último dia do Mundo" e à subsequente fúria para expiar os pecados através dos autos-de-fé.

Se Voltaire se permite estabelecer admiráveis nexos causais, dou-me à liberdade de dizer que os pistáchios existem desde o campismo em Espanha, i.e., há cerca de 25 anos, ao passo que, conforme a tradução de Rui Tavares, existem pelo menos desde meados do século XVIII... Já na edição da Inquérito, do tempo dos meus avós, ou quando as Noites Brancas do Dostoiewski custavam apenas 25 escudos, a frase do filósofo Pangloss termina deste modo: "não estaríeis agora aqui a comer amendoim e doce de cidra." Em que é que ficamos ?

Não é substituível a leitura na língua original, porém, comparando uma e outra tradução, é tocante o pudor de certas frases que se explicam no quadro da sociologia literária e na acção do censório lápis azul do Estado Novo.

Errata : onde se lê "encandeiam" deverá ler-se "encadeiam".

Perplexidade : O nome Cunegundes existe !
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quarta-feira, 17 de junho de 2009

Escrita opaca

X na sua alienação tem algo a dizer. Envia uma mensagem a Y.

O receptor será incapaz de ler ou reconhecer a caligrafia –
ali verá apenas alguns pontos e linhas, o traço grosso a preencher uma mensagem vazia.

Y recorre a Z,
que identificará o signo
mas não o significado.

O remetente detecta limites num alfabeto sagrado.
Por seu turno, o intermediário, com o seu aparelho vocálico,
não emite as justas consoantes e vogais pelo que
as palavras ganham autonomia na comunicação tripartida e errática.

O destinatário da mensagem corrompida pela escrita e pela fonética,
talvez pense, revoltado,
que
não pode sempre compaginar com a desordem,
que
os homens nasceram a gritar e cresceram a calar,
que
a língua não brotou do berro,
que
nos fios de voz existe (inútil) silêncio e mistério,
que
(não) quer desenrolar uma contínua palavra vã,
que
na tinta permanente há descompassos,
que
a escrita deixou de funcionar como auxiliar da história e da memória,
que
o vazio (não) é destituído de sentido,
que
se escrever é fazer existir a voz, aquela é inaudível ou um acto-falhado,
(ou) que
no fosso entre a oralidade e a escrita se inventou outra língua.


Perante o lúdico acto e o objecto caligráfico – o papel translúcido e a escrita opaca, –
matutarão sobre a (im)possibilidade do romance
ser traduzido em versos indecifráveis.
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sexta-feira, 12 de junho de 2009

Preparativos para a mais longa noite lisboeta

Diálogo entre uma fiel às festas e o Santo:
- Mais loguinho umas ginjas com elas. Nada com eles, Santo António?? Sabes o que fazem outros com os seus santos?
- ...
- Cortam-lhes os braços ou deixam de falar com eles.
- Isso é uma promessa ou uma ameaça?
- Olha o que aconteceu à Virgem, tiraram-lhe a coroa e puseram-na de castigo virada para a parede.
- Intentarias algo contra mim?
- Roubaria a tua língua exposta em Itália e trazia-a para a tua terra.




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quinta-feira, 11 de junho de 2009

domingo, 7 de junho de 2009

Desconcerto

Não conheço a obra nem os intérpretes. Reconhecerei apenas o momento em que a orquestra afina os instrumentos nos breves instantes de prazenteira cacofonia, em que o público aproveita para trocar as últimas palavras da hora que se seguirá. Cruzo a perna enquanto desvio o cabelo para trás da orelha e, com falso interesse, inclino-me em direcção à boca do homem, que não desejo, que me sussurra algo. O som entornado para fora dos instrumentos de corda prevalece e o homem não se faz ouvir. Fleumática, sorrio educadamente sem lhe devolver o olhar. Fazia questão de ignorar o meu parceiro no momento último de desordem acústica para concentrar a atenção na caixa de ressonância de um violoncelo e no pormenor da sinuosa fenda em espelho entre cordas em tensão que me fez lembrar o monograma por cumprir.
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Acerca-te de mim, viajante

A minha foto
P.S.: Os conteúdos da Elipse são da minha autoria (excepto quando referido), e devidamente protegidos por tormentas e bolhas de amor.