Omissão intencional de uma ideia subentendida. Pode ser traída pela zeugma.


terça-feira, 25 de março de 2008

Histórias de acordar

Um menino de cinco anos encanta o irmão de quatro:

- “Era uma vez (…). A noite era tão escura que nem havia sombras…”
- “Isso é um filme da televisão?”
- “Não, é mesmo verdade. Escuta (…) ”
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sexta-feira, 21 de março de 2008

Espaço

Na noite de Lua cheia de Fevereiro sonhei que dava uma aula sobre o Médio Oriente Antigo. Falava sobre os oráculos mesopotâmicos e da capacidade de intervir no real através da magia, pelo que mostrei a caixa onde eram depositadas as previsões anuais. Uma caixa em madeira, sem tampa, muito longa, rectangular, subdividida com tábuas na vertical, sendo que cada divisória correspondia a um ano. A longa história da Humanidade numa caixa organizada por unidades temporais regulares! Reparei, sem grande perplexidade, que algumas divisórias não continham dados - hiatos que supus deverem-se ao facto de nada ter sido descoberto, estudado ou descodificado. 2008 era um dos anos vazios.
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A partir das referências geográficas invertidas no ecrã, tive a imagem do que tinha sonhado há meses: o oriente a oeste do ocidente.
Uma das pontas da linha que definia o trajecto da viagem em tempo real já tinha desaparecido, ensarilhada entre a história e a memória. No tecto do avião, uma longa “caixa” invertida com subdivisões que, por acção da gravidade, estava “limpa”.
Na noite em que trabalhava esta fotografia, sonhei que o ano de 2008 se tinha eclipsado. Não sei precisar mais nada. Tampouco sei em que tempo estava.

Na noite seguinte (ontem), no equinócio da Primavera, ocorreu a maior explosão cósmica alguma vez registada. Pôde ser observada a olho nu e teve lugar a 7,5 milhões anos-luz.

O tempo e a distância sempre relativos…
2008, número tão redondo com casos tão bicudos.

Hoje é noite de Lua cheia! Auuuuuuuuuuuu...
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quinta-feira, 20 de março de 2008

Veio vazio, torna repleto

Se olhares para uma palmeira a contra-luz, verás que as folhas de uma rama se prendem a um veio vazio central. Esse eixo é invisível, porém existe.
Se não acreditares, tanto pior, mas se, ainda assim, quiseres ver, sugiro que feches os olhos. Caso não resulte, parte de férias, para os trópicos, e tornarás repleto.
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Outra inversão: as minhas expectativas não correspondem, felizmente, aos teus planos.
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sábado, 15 de março de 2008

Calendário

As revoluções dos idos de Março ficam lá para as calendas gregas.
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sexta-feira, 14 de março de 2008

Banda Sonora do último metro

1:07. 1’04’’ para o próximo metro, o último.
Não é o do Truffaut nem são duas mulheres. São muitas mesmo, numa só.

Entrou quando as portas se abriram. Saiu quando as portas voltaram a abrir.
Ouviu o que disse o funcionário ao colega via inter-comunicador: “Linha verde. A última é uma senhora; está vestida de preto, de calças de ganga, pretas”. Ela poderia ter entabulado uma conversa sobre a Linha Turva e as Calças Vermelhas mas não tinha a certeza de que o interlocutor comungasse do seu gosto musical.
Continuou para o segundo metro. Afinal o primeiro não fora o último. Já não havia quem descesse, só quem subisse. Àquela hora, lá em baixo, o trânsito das massas faz-se apenas num sentido.
Mais à frente, cruzou o olhar com um homem; de facto, estavam à sua espera. “Para a linha verde?”, “Sim, para os Anjos”, “Então, à esquerda”. Seguia, pois, para os Anjos, esse destino quase profético. Se o agente de segurança subcontratado e mal pago fosse um anjo, não lhe tinha dado aquela indicação na encruzilhada. Sinistra? Não, “destra”, diria, mas depois teria que se haver com o chefe.

Na rua propuseram-lhe boleia num skate. Declinou o convite justificando que aquelas rodas só desciam e ela ainda tinha a Forno do Tijolo para subir. Além do mais, aquilo não era a sorta fairytale, apesar de ter apenas duas falanges no dedinho de um dos pés.
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Felizmente que cá em cima a circulação das pessoas se faz em múltiplos sentidos.

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O desajuste informativo manteve-se, e nessa noite sonhou em italiano. Passionnément.
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quarta-feira, 12 de março de 2008

- S.L.?

- Sim.
O carteiro sorria enternecido quando lhe devolvi a caneta depois de assinar o aviso de recepção. Aquela alteração facial durava há quanto tempo? Terá interceptado a conversa de ontem com a R.? Regozijo de quem arranca as mulheres da cama que lhe abrem a porta ainda com voz de menina e cabelos de sereia?
Toda aquela intimidade agravada pelo silêncio radiofónico incomodou-me. Aliás, há duas semanas que os meus pés nus não eram vistos por outrem.
- Obrigada, bom dia.
- Bom dia, obrigado.
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Alvo anacrónico: Vous êtes ici. C’est le pied!



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domingo, 9 de março de 2008

Águas de Março

Ao rever a topografia cosmogónica segundo o Enuma Elish* recordo, sem ter vivido.
Entre este mundo mítico e físico há os que ficam mudos e quedos a boiar em águas obscuras, à espera de nascer, à espera de ouvir o seu nome. Por contraponto, os que muito falam e nada me dizem, essa aflitiva profundidade da superficialidade.

Em Lanzarote vi um lago cuja profundidade se ignorava. Dá-me tranquilidade saber que há coisas no mundo reconhecidamente imensuráveis... Esse lago é subterraneamente alimentado pelo oceano e microorganismos conferem-lhe uma tonalidade jade ou malaquite, dependendo da incidência da luz. As águas, passam assim a ser, um enorme e informe bloco de pedra.
A ironia é que como foi classificado Património Mundial da Humanidade ninguém se lhe pode chegar. Não é possível fazer saltar seixos nessas águas, mergulhar nelas, eventualmente caminhar sobre elas, reflectir-se nelas, recolher as suas algas para efeitos de talassoterapia nem navegar com uma jangada de pedra.

Resta-nos fruir da natureza ao largo, reflectir sobre essa distância crítica de segurança e guardar as águas num suporte bidimensional, se não mesmo virtual.

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* Enuma Elish significa “quando no alto” e corresponde às duas primeiras palavras do mito da criação babilónico. Foi fixado com a escrita no II milénio a.C., em sete tabuinhas de argila, descobertas no séc. XIX na biblioteca de Assurbanipal, em Nínive. As semelhanças com a narração bíblica do Livro do Génesis não são meras coincidências.
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quinta-feira, 6 de março de 2008

Plier, Replier, Reply: À flor da pele

Vejo-te e revejo-me. Vejo-nos. Gosto do tempo que me dás, da força benéfica e da inteligência risonha. Fazes-me ser uma pessoa melhor. Não tenho que explicar as palavras, os livros tratam daquilo que têm lá dentro. E tu lês(-me) por dentro e do avesso.

P.S. Gostamos ambos de experiências científicas mas não me deixes a fermentar. A segunda pele lavas à mão, esfregas, deixas ao sol até que seque. Depois guarda-la, pois pode servir a breve trecho. Conserva também a cota de malha; actualmente os seus elos são inadequados para as batalhas da minha terra.
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Mais ou menos a propósito, vindo de uma das minhas “amigas”:

LEATHER * Look I’m standing naked before you don’t you want more than my sex I can scream as loud as your last one but I can’t claim innocence oh god could it be the weather oh god why am I here if love isn’t forever and it’s NOT THE WEATHER hand me my leather I could just pretend that you love me the night would lose all sense of fear but why do I need you to love me when you can’t hold what I hold dear I almost ran over an angel he had a nice big fat cigar “IN A SENSE” he said “you’re alone here so if you jump you best jump far”

*"Leather", Tori Amos, original in Little Earthquakes, EW, 1992

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quarta-feira, 5 de março de 2008

alta voz

Exercício de imaginação e dicção a ler em voz alta sem pedir explicações. É preciso desconfiar sempre e acreditar algumas vezes; se não vejamos:
1. “THIS MUSIC HAS BEEN MIXED TO BE PLAYED LOUD SO TURN IT UP” – instruções impressas no Disintegration, The Cure.
2. “SE BOIT TRÈS FRAIS” – sugestão para saborear um refrigerante.
3. “ACENDER SUAVEMENTE NO SENTIDO OPOSTO AO CORPO” – advertência numa caixa de fósforos.

É agora, andarilhos!

LIGO pistas MEÇO palmos COSO fitas ATO nós TREINO voz PINTO lábios
FAÇO figas COMO figos GIRA-discos PEÇO vistos CORRO riscos CRIO fisgas
JUNTO trapos PAGO caro JOGO copas GATA arisca VERTO copos
TROCA-tintas VEJO listas LIMPO olhos SARO chagas JOGO ao calhas
GRITO surdo HADES zagaia DOBRO cabo CAIBO falhas FORÇO forcas, sugo seiva sable
RASPO, RAPO, RALO, CALO, CATO, CORTO, MAÇO, MOLA, MALA, MOÇA, MOSSA, MATO, MATE
VISTO sedas SONHO e sinto LANÇO ares MANDO farpas MORDO isco
digo VENHO ouço BEM rasgo CARA peco e DISPO toco ÁREAS terno CANTO
SIGO e cito PELOS vistos NÃO petisco, SIM petisco andarilho.
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segunda-feira, 3 de março de 2008

Land[e]scape




As fotografias são norteadas pelos mesmos fios e rios, biombos, barras e barreiras, direcções, códigos, caminhos terrestres e celestes, brilhos e sombras, presença da ausência, vidros, vidas, vidas de vidro, fantasmas, objectos voadores não identificados. O alfabeto é o mesmo ainda que por vezes invertido, vertido e divertido. A minha aparente desatenção foi intencional e por isso não peço perdão. A quem se escreve quando ninguém sabe ler? Qual a função da escrita quando a informação é dispensável, inalcançável, indecifrável, indizível, invisível? A escrita microscópica e as pedras de fundação serviram a muitos e inspiram-me hoje. A História e as histórias continuarão com os seus fluxos e refluxos.

Rendez vous à la lande/ Rendez-vous chez la langue.
Rendi-me sem me perder, sem me prender, sem aprender a rendar.
As elipses acentuam-se como linhas geométricas e figuras de estilo.

Segui por trilhos sem me trilhar
Subverti a urgência de emergir e de agarrar
Suguei, aspergi, fiz as minhas libações secretas
E voltei do futuro com os sentidos alerta.
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Acerca-te de mim, viajante

A minha foto
P.S.: Os conteúdos da Elipse são da minha autoria (excepto quando referido), e devidamente protegidos por tormentas e bolhas de amor.