Omissão intencional de uma ideia subentendida. Pode ser traída pela zeugma.


quarta-feira, 16 de abril de 2008

“L'italietta”

A pouco e pouco foram saindo do elevador. O grupo em férias reuniu-se no hall do hotel pelas 19:30. “Ottima programmazione” pois assim não tiveram que abdicar de nada. Tinham respeitado os horários e os silêncios, tinham cumprido os seus deveres católicos, tinham feito os respectivos ex-voto, tinham realizado as suas abluções antes de passar ao repasto e, graças ao fuso horário e ao satélite, às 20 horas do seu país, puderam ver os resultados das eleições legislativas.
A forte adesão às urnas e o resultado de claro bipartidarismo devem-lhes ter aliviado a consciência por terem faltado às obrigações cívicas. Todos reconheciam o estado de emergência do país, as debilidades do sistema eleitoral, o auto-boicote, as forças federalistas, o poder incontornável da mafia, a implosão de algumas forças políticas, a instabilidade resultante da média de um governo por ano desde a II Guerra Mundial, a dívida pública correspondente a 100% do PIB, a ausência de discussão ideológica, a manipulação da informação, a corrupção, a falta de apoio crescente a populações desfavorecidas, a ridicularização de um dos países do G8...Mas nada disso importava a uma hora daquelas, a comida estava óptima e todos mastigavam, bebiam e se afundavam.
Ser turista não é compatível com certos direitos e deveres, pelo que “apenas” abdicaram do seu voto e da discussão franca à mesa. Não quiseram arriscar uma congestão pois a sua argumentação podia não ser bem articulada ou convincente e os convivas podiam não ser complacentes com as trafulhices e a demagogia de Berlusconi, nem estar sintonizados com o discurso violento e xenófobo de Bossi. Por conseguinte, uns poucos denunciavam-se pelo olhar abatido enquanto a maioria se apresentava com um sorriso vitorioso, tímido mas vitorioso.
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No dia seguinte, no aeroporto, o usual voto na despedida:
– “In bocca al lupo!”
– “Crepi!”
Bem precisarão.
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