Omissão intencional de uma ideia subentendida. Pode ser traída pela zeugma.


quinta-feira, 25 de junho de 2009

é preciso cultivar o nosso jardim

"(...) e Pangloss dizia por vezes a Cândido: «Todos os acontecimentos se encandeiam no melhor dos mundos possíveis: pois, enfim, se não tivésseis sido escorraçado de um belo Castelo a pontapés no traseiro por amor da menina Cunegundes, se não tivésseis sido supliciado pela Inquisição, se não tivésseis corrido a América a pé, se não tivésseis trespassado o Barão, se não tivésseis perdido todos os vossos carneiros do bom país do Eldorado, não comeríeis agora aqui limas em compota e pistáchios.» - Muito bem dito, respondeu Cândido, mas é preciso cultivar o nosso jardim."
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Cfr. Voltaire, Cândido ou O Optimismo, Lisboa, Tinta da China, 2006, pp. 170-171.
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Sabendo que a sátira ao optimismo faria parte do Index Librorum Prohibitorum, Voltaire publicou-a clandestinamente e de modo anónimo em 1759. A paródia, com grande divulgação, tem também como periclitante palco, a Lisboa do Terramoto, da qual os heróis escapam ilesos "ao último dia do Mundo" e à subsequente fúria para expiar os pecados através dos autos-de-fé.

Se Voltaire se permite estabelecer admiráveis nexos causais, dou-me à liberdade de dizer que os pistáchios existem desde o campismo em Espanha, i.e., há cerca de 25 anos, ao passo que, conforme a tradução de Rui Tavares, existem pelo menos desde meados do século XVIII... Já na edição da Inquérito, do tempo dos meus avós, ou quando as Noites Brancas do Dostoiewski custavam apenas 25 escudos, a frase do filósofo Pangloss termina deste modo: "não estaríeis agora aqui a comer amendoim e doce de cidra." Em que é que ficamos ?

Não é substituível a leitura na língua original, porém, comparando uma e outra tradução, é tocante o pudor de certas frases que se explicam no quadro da sociologia literária e na acção do censório lápis azul do Estado Novo.

Errata : onde se lê "encandeiam" deverá ler-se "encadeiam".

Perplexidade : O nome Cunegundes existe !
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